«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

domingo, 16 de março de 2014

Vida de Ozanam (XIII)

Papa Pio X elogia Ozanam

Os artigos de Ozanam não eram políticos, mas sociais. Sustentava depender a salvação da Sociedade cristã, da caridade dos católicos, apontando a Sociedade de São Vicente de Paulo como designada por Deus para isso.

Pleiteava uma agitação caridosa para aliviar a angústia do povo. A revolta fora esmagada mas restava um inimigo que queria ignorar: a miséria. Mais tarde, Pio X apontava Ozanam como mestre e chefe daqueles que procurassem dar uma disciplina cristã à Sociedade.

Continuando suas aulas na Sorbona, Ozanam aproveitava os temas do programa para destacar o papel da Igreja na educação das massas indisciplinadas da Idade Média. Demonstrava que só se civilizam os homens agindo sobre suas consciências e que a primeira vitória tem que ser sobre suas paixões.

Dentro dessa conceituação escreveu obras como a Civilização do Século V. Os Germanos antes do Cristianismo, A Civilização Cristã entre os Francos e Bens da Igreja.

Ozanam volta a ficar doente

A nefrite que o atacara em 1846 voltara a manifestar-se em 1849. Os sofrimentos aumentavam e ante os sintomas alarmantes da enfermidade, os médicos prescreveram-lhe repouso absoluto. O trabalho, as lutas, os sofrimentos morais apressavam sua ruína. Uma viagem à Bretanha concorreu para uma aparente melhora. Ele dizia que Amélia se alegrava por ver voltarem ao seu rosto as cores da saúde. E tentou trabalhar.

Escrevendo ao seu grande amigo Jean Jacques Ampère, companheiro desde a juventude, Ozanam dizia-lhe “estar de tal modo fatigado que ficava impedido de cumprir seus deveres e até alguma distracção”. “Com as doçuras do lar, Deus me concedeu falta de saúde. Que Ele seja bendito com essa partilha”. Por isso o mesmo Ampère declarou: “O que Ozanam colocou acima de tudo foi a sua grande fé católica, a soberana senhora de toda sua vida”.
Ozanam era homem de oração. Todos os seus actos e escritos respiram este incenso. A comunhão frequente era o apoio de sua vida espiritual, e, sobre ela, assim se manifestava: “Quando a terra inteira vier a abjurar o Cristo, haverá sempre, na doçura da Comunhão e no consolo que ela oferece, uma força de convicção que me fará abraçar a Cruz e desafiar a incredulidade da terra”. Em tudo ele via a vontade de Deus.

O devotamento de Ozanam aos pobres era impressionante. A Sociedade de São Vicente de Paulo constituía sua outra família. A visita aos pobres de sua Conferência e os serviços que lhes prestavam eram para ele um exercício religioso. Sentia consolação em penetrar nas miseráveis moradias dos assistidos, cumprimentando-os afectuosamente, dizendo “sou um seu criado”. Nessas visitas encontrava conforto para suas preocupações e coragem para seus empreendimentos. E, por isso, mais os amava.

A Sociedade se dissemina pelo mundo

A Sociedade de São Vicente de Paulo cada vez mais se disseminava pelo mundo. O Presidente Baudon retomava aos poucos a direcção geral, o que fazia Ozanam ir-se afastando gradativamente. E, 1851 registaram-se 247 agregações de novas conferências na Europa e América.

E o Relatório do ano, comentando a inauguração do Telégrafo Submarino, dizia que a Caridade era um fio muito mais eléctrico que estava ligando os dois mundos.

Mesmo doente Ozanam continua a leccionar

Após as férias forçadas, que se prolongaram mais do que esperava, Ozanam preparou-se, em 1852, para retomar seu Curso na Sorbona. O irmão, Padre Afonso, procurava dissuadi-lo, havendo ele respondido que tinha um dever a cumprir: “Que dizer do soldado que recusa ficar na brecha, receando morrer?” Por isso entendia que deveria permanecer no seu posto e nele morrer se fosse preciso. Aos médicos sustentava que ficava pior com a inacção. Precisava trabalhar.

As suas aulas, apesar da fadiga, continuavam a obter grande frequência. E a juventude não perdia ocasião para aplaudi-lo, o que muito o excitava, procurando corresponder àquele entusiasmo. Queria sempre mais, e como não podia ir além de suas forças, já combalidas, dizia-se desesperado com o que ele chamava de esterilidade desoladora. Lamentava-se de possuir ideias sem poder transmiti-las. E pedia a Deus um pouco de saúde e de vida.

Ozanam esperava conseguir melhoras com as férias da Páscoa. Mas veio nova recaída, agora acompanhada de pleurite, com muita febre. Recolhido ao leito, por ordem dos médicos, pediu ao Reitor anunciasse o adiamento das aulas. Os estudantes, embora muito gostassem do querido professor, externaram seu desapontamento. Ignorando a doença do mestre, murmuravam, dizendo que os professores eram pagos para dar aula. Essas reclamações chegaram aos ouvidos de Ozanam. É de ver como o deixaram chocado.

Tomado de desgosto e alegando que precisava merecer o pão que ganhava e dever honrar a profissão, Ozanarn levantou-se, e mau grado as lágrimas da esposa, as determinações dos médicos e amigos, desceu as escadas e se fez conduzir à Sorbona. Ali entrou apoiado num braço amigo, febril, muito pálido, mais parecendo um fantasma do que um vivo. Os estudantes compreenderam o erro cometido, não escondendo o remorso que lhes estava remoendo a consciência.

O tocante espectáculo oferecido por Ozanam enfermo, diante dos alunos espantados, recordava palavras ditas antes: “Todos os dias nossos irmãos se deixam morrer como missionários nas terras d’África. E nós, que fazemos? Acreditais que Deus tenha dado a uns morrer a serviço da Igreja e a outros se deitarem sobre rosas? Acreditar nisso seria uma acusação a Deus. Preparemo-nos para provar que também temos nossos campos de batalha e que sabemos morrer”.
Subindo os degraus da cátedra, Ozanam debruçou-se sobre os apontamentos da lição. Levantando a cabeça, passou os olhos ardentes de febre sobre o auditório. Os aplausos reboaram. Feito silêncio começou a lição, falando clara e pausadamente: “Senhores, o nosso século é acusado de egoísmo e que esta epidemia afecta os próprios professores…” “Entretanto, é aqui que alteramos nossa saúde e gastamos nossas forças… ” Grave silêncio caiu sobre a classe.

Ozanam continuou: “Não estou aqui para queixar-me; a minha vida vos pertence e vós a tereis…” “Da minha parte, se eu morrer, garanto-vos, será pelo vosso serviço”. Ozanam desenvolveu naquele dia uma aula de rara eloquência, a ponto de ser cercado pelos discípulos, ao término da lição, para externarem sua comovida admiração. Respondia-lhes Ozanam: “Sim, sim. Agora, preciso dormir à noite”. Mas não conseguiu, dada a violenta febre.

Seguindo conselho médico Ozanam viaja para o Sul

Os dias de moléstia que se seguiram não o afastaram do apostolado religioso, datando dessa época o começo da conversão de um amigo. Este objectava que a eternidade das penas do inferno contrariava a bondade de Deus. Ozanam esclarecia: “Pensais, meu amigo, que aqueles que duvidam do dogma do inferno, assim o fazem por sentimento humanitário? Não. É porque não possuem o sentimento bastante vivo do horror ao pecado e da justiça de Deus”.

A conselho médico, Ozanam devia abandonar Paris e empreender uma viagem pelo Sul, percorrendo a Espanha e a Itália. Para Ozanam, seu afastamento das aulas na Sorbona, seu afastamento do campo de ação do apostolado cristão, onde deixava os discípulos, os amigos e, principalmente, os seus pobres, representava uma dolorosa situação. Por quanto tempo se afastaria? Quem sabe? Talvez para sempre … Era preciso saber oferecer aquele sacrifício, ao abandonar tudo que fora a sua vida.

Escrevia então Ozanam: “Quem morre sem acabar a sua tarefa tem, aos olhos da Suprema Justiça, o mesmo mérito de quem pôde acabá-la completamente. Os maiores homens não são os que pretenderam estabelecer o plano do seu destino mas os que sempre se deixaram guiar por Deus” . Ozanam curvava-se com docilidade aos desígnios da Providência Divina. A viagem que ele empreenderia agora seria a última. Ele o sabia. Antes de partir quis comungar.

Amélia acompanhou como sempre o marido e na igreja colocou-se, ajoelhada atrás dele, coberta de lágrimas. Todo seu valor e resistência, até então demonstrados, desapareceram. E rezava, pedindo a Deus que não o tirasse. Nesse instante, teve como que uma visão, olhando para a parede da capela, onde aparecia uma inscrição: “Aqui jaz Frederico Ozanam” Era, talvez, o anúncio fatal de uma desgraça bem próxima. Em 16 de julho de 1852 eles deixaram Paris.


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