«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Vida de Ozanam (XIV)

O turismo religioso de Ozanam

Peregrinando pelo Sul da França, ia também visitando as conferências vicentinas. Sentia-se bem naquele meio. Durante as visitas, animava e exortava. Em Eaux-Bonnes, surgiu, nos poucos dias de sua permanência, um centro de irradiação da caridade evangélica.

Em Biarritz, sentiu melhorar um pouco sua abalada saúde. Desejou visitar a Espanha e rever São Tiago de Compostela, outrora meta dos peregrinos italianos e franceses. Foi uma viagem penosa, a exemplo dos cristãos dos tempos passados.
Burgos também o atraiu com seu belo templo dedicado a Maria Santíssima. Ao entrar naquela igreja majestosa, suplicou: “Nossa Senhora, Virgem Poderosa, que aqui tendes um edifício tão belo, fortalecei o edifício frágil e destroçado do meu corpo. Fazei que chegue até o céu o edifício espiritual de minha alma”. Transpondo os Pirineus, tornou a pisar o solo francês. Como se aproximasse o inverno, decidiu passá-lo em Pisa, na Itália, cujo clima era salutar.

Ozanam consegue autorização para funcionamento das conferências de Pisa, Florença e Livorno

Parecia que Ozanam desejava encher-se das últimas consolações e propagar ao máximo o ideal da Obra Vicentina. Na Toscana, por exemplo, as conferências não obtiveram ainda a autorização do Grão-duque para funcionar. Este temia que se tratasse de mais uma associação de políticos. Ozanam chegava, pois, a tempo para dissipar os mal-entendidos. Sabendo que se encontrava em Pisa a Grã-Duquesa, decidiu ele visitá-la para esclarecer as finalidades das Conferências Vicentinas.

Os amigos tentaram dissuadi-lo, aconselhando que, ao menos, deixasse passar a febre. Ozanam ponderou: “Estou mesmo mal. Mas enfim, é o último serviço que posso prestar à Sociedade de São Vicente de Paulo. Foram tantos e tais os benefícios que dela tenho recebido que não posso deixar de dar-lhe o meu último sacrifício, se Deus me der forças”. A Grã-Duquesa o recebeu com toda a afabilidade, pois já o conhecia como autor consagrado.

Não ocultou a Ozanam as prevenções do Grão-Duque contra as Conferências e, de modo particular, a de Florença. Ozanam retrucou respeitosamente, mostrando como nada havia de política na , Obra Vicentina mas tão-somente a caridade operosa ditada pelo Evangelho. A Grã Duquesa não deixou transpirar qualquer sinal de aprovação, limitando-se a ouvir. Entretanto, dias depois, as Conferências de Pisa, Florença e Livorno recebiam a autorização do Grão-Duque para funcionarem, pela influência de Ozanam.

Ozanam visita a conferência de Florença

Uma visita a Florença era para aquele abençoado peregrino muito oportuna e até necessária. O último resultado das negociações junto à Grã-Duquesa em favor das conferências, tornaram Ozanam ainda mais estimado entre os católicos daquela cidade.

Convidado a comparecer a uma reunião da conferência, lá fez uso da palavra, em língua italiana. Seu discurso causou a melhor impressão, a ponto de ser reproduzido nos jornais católicos da cidade. Ozanam irritou-se com aquela divulgação.

A Oração do Abandono

Havia comparecido à reunião com a alma comovida, a ponto de externar a Lallier: “As línguas são diferentes, mas é sempre o mesmo aperto de mãos, a mesma cordialidade fraternal; podemos nos reconhecer pelo mesmo sinal com que distinguiam os cristãos nos primeiros tempos da Igreja: Vejam como eles se amam!”. Entretanto, combatia a notícia espalhafatosa: “É inteiramente oposta ao espírito e aos costumes da Sociedade. A conferência fará maior bem quanto menor for o ruído”.

O ano de 1853 encontrou Ozanam em Pisa, cuja placidez repousante deu-lhe um período de tranquilidade. Na primavera instalou-se em São Jacó, perto de Antignano e de Livorno. Ao lado de sua esposa e de sua filha, escrevia a sua obra derradeira: “Peregrinação ao País do Cid”. A 23 de Abril compôs a bela oração do abandono, uma súplica de quem não desejava morrer mas aceitava plenamente a suprema vontade de Deus:

“Será necessário, Senhor, que eu renuncie a todos os bens que me dispensastes. Não quereis que eu Vos dê somente uma parte do sacrifício? Qual das minhas afeições desregradas desejas que eu imole? Não aceitaríeis o holocausto do meu amor-próprio literário, das minhas ambições académicas, dos meus projectos de estudo, onde ressalta mais orgulho que zelo pela verdade?

Se eu vendesse metade dos meus livros e desse o preço aos pobres…” “… Se, limitando o meu trabalho, eu consagrasse o resto da minha vida a visitar os indigentes, a instruir os ignorantes, ficaríeis satisfeitos, Senhor, e me concederíeis a doçura de envelhecer junto à minha esposa e de completar a educação da minha filha?”. “Talvez, oh meu Deus, não queirais nada disso. Vós não aceitaríeis a minha oferta egoísta, o meu holocausto e o meu sacrifício. É a mim que quereis. Eu vou, oh Senhor!”

O testamento de Ozanam

A convicção da morte próxima, obrigava-o a pensar no seu testamento que foi redigido naquela mesma data. É sóbrio e muito eloquente. Julgando-se grande pecador, começava por entregar sua alma à misericórdia infinita de Deus. À Amélia, sua doce esposa, deixava um curto adeus, marcando encontro no reino do céu. À Maria, sua filha adorada, deixava a bênção dos Patriarcas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…

Continuando pedia perdão pelas faltas com que, por infelicidade, houvesse magoado parentes e amigos. Finalmente, suplicava aos membros da Sociedade de São Vicente de Paulo que rezassem por sua alma. Dizia Ozanam: “Não vos deixeis iludir pelos confrades que vos disserem: ele já está no céu. Orai muito por aquele que tanto vos ama, mas que tanto tem pecado. Confiado nesta certeza, deixarei a terra com menores receios”. Ozanam não alimentava mais ilusões de cura.


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