«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Ernesto Falconnet 24-08-1830

Lião, 24 de Agosto de 1830

   Senhor Ernesto Falconnet.

   São quase dez horas, almocei bem, o estômago está saciado, nada me dói, não sinto qualquer necessidade, em volta de mim tudo está suficientemente tranquilo, o espírito está pois tão livre quanto possivel, tão livres como é necessário para escrever ao muito alto e muito poderoso senhor Cláudio Maria Ernesto Falconnet, futuro bacharel.
   Mas eis que entretanto o Senhor meu gato escalou o meu ombro e, de olho fixo sobre o que escrevo, recebe uma lição de estilo epistolar.

   Ora então, meu senhor, como vai a vossa preciosa saúde?
Que aconteceu às dores de cabeça? Como se comportam o vosso ilustríssimo espírito e o vosso génio criador? Estamos satisfeito, carrancudo, alegre, melancólico? A disposição é sombra, cercada de espressas nuvens ou, pelo contrário, esprraia-se sobre prados ridentes? Lê-se um pouco o amigo Descartes? Sobretudo, medita-se Descartes? Começa-se a filosofar e a perguntar-se o porquê das coisas? Eis o momento de se ir preparando para a grande viagem da vida, coragem.

   Pelo que me diz respeito, estou longe de saber tive a intenção de cultivar as letras e a filosofia. Mas hoje que os acontecimentos estão tão embrulhados, pode saber-se o que sobrevirá? Quem me diz se numa destas quatro manhãs não me encontrarei, como o Senhor meu Pai, na ponte de Arcole ou em Lodi, ou talvez em Londres ou Viena, com a espada na mão e a mochila às costas? Fala-se tanto de guerras que finalmente acaba-se por fazê-las; crio mesmo que é a única salvação da Pátria, pois os espíritos estão de tal maneira divididos, os partidos estão opostos, as facções tão marcadas que é em absoluto necessária uma guerra contra o estrangeiro para reunir os espíritos e impedir a guerra civil.

   Em todo o caso, suceda o que suceder, não deixarei de prosseguir os meus estudos, visto que, mesmo chegando um dia a capitão, eles não me seriam inúteis. Quem olhar a filosofia seriamente não a vendo como objecto de luxo, depressa se apercebe que a filosofia é útil em todas as situações, ao soldado como ao padre.
   Que há de mais útil a um militar do que o estudo das línguas? Não ficaria eu contente por saber o alemão e o italiano se tivesse de guerrear na Itália ou na Alemanha? Por outro lado, nada mais necessário a um militar do que a religião e, por consequência, os estudos religiosos.
A própria poesia cheja a ter por vezes a sua utilidade, mesmo no auge da guerra. A guerra é um belo assunto de inspiração; era a cavalo e com as armas na mão que David compunha os seus cantos sublimes.

   Como quer que seja, prossigo os meus estudos como habitualmente. Terminarei o meu idídio de Joana d'Arc em Vauconleurs, leio o meu Heródoto e os meus monólogos de... (1), e ao mesmo tempo a história literária da Itália, de Ginguené, em meu entender história cheia de erudição mas bastante superficial.
   Ao mesmo tempo, prossigo os meus trabalhos para a nossa obra futura. Encontrei coisas muito curiosas sobre as crenças dos Tártaros, sobre a Trindade da Índia, sobre a Trindade egípcia; tudo provas até ao presente em nosso favor.
   Procuro adquirir alguns conhecimentos preliminares sobre o sânscrito, (dado antiga língua dos brâmenes), que certamente nos será preciso estudar para conseguir êxito no nosso trabalho. Do que vi até ao presente, parece-se muito com o grego, o alemão, o latim . . . (2) sobre uma vintena de palavras que vi, eis as semelhanças que encontrei, sem dúvida acharei outras na continuação, mas tudo isto é apenas muito preliminar.

   Adeus, meu caro amigo, ama sempre o teu camarada
A.F.Ozanam

   É preciso que eu ataque o estudo desta terrível mitologia indú, que é extremamente confusa; trabalha com firmeza sobre os celtas.
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   (1) Nome em falta.
   (2) Várias palavras em falta.



1 comentário:

  1. Frédéric Ozanam sempre mostrou uma grande paixao pelo seu pais, embora nao deixando de criticar as classes politicas em tudo que dizia respeito à forma defeituosa na defesa da humanidade

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