«Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação. Ajudar "pessoas em situação de pobreza", deve ser sempre um remédio provisório. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» Laudato Si: página 88.

sábado, 24 de junho de 2017

O que sou hoje como vicentino!

O que sou hoje como vicentino!
         
          No percurso do caminho como vicentino terei que recuar no tempo dos anos 60, na cidade do Porto, numa freguesia da Beira-Rio, de gentes que dedicava a sua vida a trabalhar como estivadores em carga e descargas de carvão, do bacalhau os Barcos Rebelos que descarregavam nos Cais da Ribeira, o Vinhos do Porto. Hoje os tempos são outros, outras vidas, hoje vive-se do turismo e de hotéis.

          Eu ainda jovem, recebi um convite para ir a uma reunião de vicentinos em São Nicolau, às terças-feiras. Lá fui nem sequer sabia em que me ia meter… Mas fui. Os meus primeiros passos como vicentino, aos 17 anos, foi passar a assistir a umas reuniões, depois pediram-me para fazer umas visitas a casa de pessoas “Os Pobres”.  Logo ensinaram-me que na missão de um vicentino nunca devia dizer a palavra “NÃO”, a não ser por motivos fortes pois ajudar os pobres, era servir a Deus através deles.

          Os meus primeiros trabalhos como vicentino, passou na marginal da Foz do Douro na recolha de roupas, mobiliário entre outras, para o Farrapeiro. Depois percorri as ruas da paroquia: - Mercadores, Reboleira, o Cais da Ribeira, Av. Gustavo Eiffel e o Bairro do Barredo. Nas minhas deslocações que fazia estava longe de pensar que para “Ser Vicentino” passava pelas visitas ao domicílio, pensava eu, que era uma intromissão nas suas vidas privadas, mas na caminhada percebi que o fazer a “Visita ao domicílio estava o “chamamento de Deus” no serviço ao pobre, ir “cheirar” a pobreza, estava ali a Caridade.
          Muitas vezes a Conferência (como era pobre) o nosso pároco, graças a Deus hoje ainda vivo, (nos deixava fazer um peditório num dos ofertórios de uma das missas) e com algumas ajudas lá conseguíamos orientar as contas que, quase sempre a zero. Nesse tempo, recordo que o nosso assistente espiritual, nos dizia com esta frase: «Que não seja por falta de dinheiro que deixemos de fazer a Caridade». Às minhas visitas, algumas vezes não levava nenhuma saca com alimentos, não havia nessa altura abundância, levava a minha visita como jovem, a conversa e sei que a partir de determinada altura senti, que já não dava ir a casa de um pobre sem levar alguma coisa para eles comerem, partilhar. Pensei então; tenho que levar alguma coisita comigo. Estávamos nos anos 60 ao visitar uma família senti um vazio que pairava no ar pois no atendimento quando cheguei, reparei que um deles ao aperceber-se que era eu, encolheu os seus ombros olhou para o chão a memorar baixinho consigo: para que vem chatear-me se não me trás nada… Sem me desmanchar cumprimentei-o e o senhor com boa educação lá me atendeu: bom dia com um sorriso forçado…

          Em contrapartida um dia deram-me a tarefa de visitar o “Carlinhos da Sé”, no Barredo, uma figura típica da cidade, um senhor que tinha uma doença genética, problema que hoje seria resolvido com uma operação e mudança de sexo. Bom, o agradável dessa visita, sem levar a saca de alimentos o “Carlinhos da Sé”, ficou feliz contou-me a sua estória da sua saúde, desabafou que não tinha culpa de ser assim, chorou da sua má sorte da sua vida, mas compensou-me esta visita, este senhor, sem pedir nada recebeu-me de braços aberto para conversar comigo. Estava ali a verdade da chamada Caridade. Hoje como Vicentino da minha Conferência, já nos tempos de “fartura” visito um casal e a minha preocupação com eles e a promoção por uma vida melhor. Estou atento, aos movimentos de forma a que um dia possa dizer que a partir dessa altura consiga… com vontade dos próprios, devolver alguma dignidade e respeito que eles merecem e que possam não estar dependentes do pouco que lhe damos que, passem a ser homens e mulheres com direito e deveres a serem olhados como pessoas importantes e independentes. Não é fácil pois é uma família com alguma falta escolaridade, de recursos e falta de empregos; quatro adultos.

          Agora, nesta altura a minha caminhada foi mudando com mais responsabilidades pelas tarefas que exerço num conselho. Escolhi partilhar a pensar contribuir para que os meus caríssimos confrades, também, nos tempos de férias que se aproxima possam fazer uma paragem e pensar como vicentinos; «o que sou hoje como vicentino». São tarefas que estamos “Todos” comprometidos desde o nosso compromisso a Deus, à sociedade, aos pobres. O melhor e mais agradável no conselho é que eu tenho, uma equipa que trabalha comigo sempre disponível, com sentido pelos outros, pelo amor e com caridade que eu sinto a forma das suas decisões, é gratificante. “SVP é que tem a culpa disto tudo…”

          S.V. Paulo não ficará certamente zangado comigo se lhe pedir um favor, mais um; que tenha paciência em me aturar e que também ajude todos os outros vicentinos.

          Hoje debate-se na sociedade o que andamos a fazer dizem; se calhar fazemos uma caridade assistencial, da saca de compras, do ir buscar às sedes. Poderemos ficar só com a distribuição das sacas, e desleixarmos com a visita ao domicilio distribuindo “Afetos”; ouvir, pensar, ajudar, sofrer com eles e dar ideias para que eles se possam libertar da sua condição dependência?... Hoje tenho insisto com escritos e com palavras para que os vicentinos façam o que São Vicente de Paulo e Ozanam nos deixaram: A Visita Domiciliária.

          Eu acredito que existe uma diferença como se faz e o modo como haja um vicentino na Caridade. No espírito do vicentino o serviço ao Pobre é dar-se no serviço de Deus, interagir com os pobres reconhecendo nas pessoas que tem habilidades físicas e mentais suficientes para sair das dificuldades. 

          Recordo uma pequena passagem do filosofo, francês Fabrice Hadjad sobre a condição da mulher como mãe que do seu ventre tem um filho ele dizia: é preciso “Recolocar o Homem no Centro”. ele dizia uma Mãe, ama o seu filho ajudando-o, encaminha-o, tenta colocar o seu filho como homem e mulher no centro ensinando a tomar mais tarde as decisões, dando-lhes a dignidade de pessoa humana.


F.Teixeira

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Conferência vicentina uma comunidade de fé esperança e caridade.

3
      Fazer parte de uma conferência Vicentina é um magnifico presente de Deus. É lá que podemos praticar a bela fé católica, fazer amigos sinceros, conhecer pessoas novas, ajudar a quem precisa e aprimorar nossa condição espiritual. Só há benefícios para quem dela participa, pois nos tornamos cristãos melhores ao buscar uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Também os socorridos são extremamente favorecidos, ao receber uma mão amiga nos momentos de sofrimento e desespero.
      Portanto, qual é a mística das Conferências Vicentinas? O grande segredo delas é que, devido à inspiração divina, as Conferências são verdadeiros locais para a prática da fé, da esperança e da caridade. Em outras palavras, as Conferências são comunidades de fé, esperança e caridade. Podem ser assim definidas, pois contemplam Cristo no rosto do Pobre, executando um serviço concreto e prático, em coordenação e amizade entre os membros.
      Alem das obras assistenciais, a acção vicentina acontece no âmbito das Conferências, que são pequenas comunidades formadas por homens (confrades) e mulheres vicentinas, que se reúnem, semanalmente, para crescer na espiritualidade e servir ao próximo. É na Conferência que os vicentinos meditam se estão realmente vivendo, com devoção e entrega, o gesto evangélico de ajudar aos irmãos que vivem em situação de pobreza (material, moral, psicológica ou espiritual).
      As Conferências são “comunidade de fé” porque levam a Palavra de Deus para fora (momentos das visitas junto aos assistidos) e para dentro (reuniões semanais) da entidade, valorizando a visa sacramental e a participação ativa na Igreja. Cada vicentino, em todas as reuniões, aperfeiçoa a vida interior por meio das leituras espirituais que preenchem o espírito e renovam o olhar sobre a fé. Além da reunião, há ainda os retiros e eventos espirituais promovidos pelos Conselhos que oferecem inúmeras oportunidades de desenvolvimento na fé. Portanto, fica claro que as Conferências são comunidades autenticas de fé, a serviço dos irmãos.
      Cultivando a fé, acreditamos e vivenciamos a Santíssima Trindade: o Deus criador (que é o Pai), o Deus Salvador (que é Jesus Cristo) e o Deus Santificador (que é o Espírito Santo). E pela prática da fé, compreendemos a verdade que vem do Altíssimo, alimentado nosso espírito e testemunhando a Boa Nova a todos que nos rodeiam.
      As Conferências são também “comunidades de esperança”. Isso fica bem explícito no momento da visita domiciliaria, quando os confrades e as vicentinas estimulam os assistidos a confiarem na Providência Divina, no valor do trabalho e na certeza de que sairão do momento delicado em que vivem, sempre com Deus ao lado. O papel do vicentino é este: mostrar aos irmãos mais necessitados que só é possível vencer os desafios da vida “com Deus no comando”, guiando os passos e mostrando os caminhos. A esperança é tão forte no seio vicentino que o lema do Conselho Geral Internacional é “servindo na esperança”. Como se percebe, as conferências são evidentes “comunidades de esperança”.
      A esperança é a virtude que nos ajuda a desejar e a esperar tempos melhores em nossa vida (aqui na Terra) e a ter a segurança de que conquistaremos a vida eterna, isto é, nossa felicidade nos céus. O vicentino, ao se tornar amigo dos Pobres, também dirige a eles essa mensagem de esperança e confiança no senhor.
      As Conferências são, por natureza, “comunidades de caridade”, pois a razão principal da existência da sociedade de São Vicente de Paulo – e dos demais ramos vicentinos – é a prática da caridade integral, baseada nos Evangelhos e no amor de Cristo. Assim, as Conferências são o lugar ideal para se praticar a caridade e o

amor, entre nós, vicentinos e com os necessitados. Essa dupla dimensão da caridade vicentina (com os Pobres e entre os membros da SSVP) fortalecer o carácter missionário e leigo da entidade, atingindo cada vez mais pessoas e levando a mensagem salvadora de Jesus sacramentado para todos os lados.
      Sobre a caridade, vale a pena recordar que o amor a Deus e o amor ao próximo são a mesma coisa, de modo que um (amor) depende do outro (amor); por isto, quanto mais amarmos ao próximo, nas Conferências Vicentinas, mais amaremos a Deus; e, por sua vez, quanto mais amarmos a Deus, mais amaremos ao próximo. Reside aí o cerne da “comunidade de caridade” da qual fazemos parte.
      Em resumo, as Conferências são, assim por dizer, as legítimas “comunidades das virtudes teologais”, pois lá se pode praticar a fé, a esperança e a caridade, elementos que nos conectam directamente a Deus. Pela fé, reconhecemos a santidade de Deus; pela caridade, mostramos essa santidade ao mundo e conquistamos nossa santificação; e pela esperança, espalhamos a alegria do porvir, que seguramente será ao lado de Deus.
      Assim, é missão de todo confrade e vicentina dar o testemunho de que as conferências Vicentinas são, de facto, comunidade de fé, esperança e caridade, dentro de uma espiritualidade leiga que tem como objetivo servir aos mais Pobres dos Pobres. Somos muito abençoados por fazer parte de uma Conferência Vicentina! Uma pergunta para reflexão: nossa Conferência é realmente uma comunidade de fé, esperança e caridade, ou se reduziu a um agrupamento de pessoas de bem que exercem um activismo social?
Crónicas vicentinas de; Renato Lima, Cgi



terça-feira, 13 de junho de 2017

O legado de Ozanam para os dias de hoje

2
      As Cartas de Ozanam foram os primeiros textos, além da Regra Vicentina, pelos quais tive a satisfação de conhecer o pensamento deste extraordinário e santo homem chamado António Frederico Ozanam, modelo de jovem, adulto, pai, profissional, marido, cidadão e fiel leigo comprometido.

      Em Cartas, Ozanam pode comunicar-se com liberdade e desenvoltura, dirigindo-se com simplicidade a seus amigos, conhecidos, parentes, religiosos e académicos. Até nas missivas de cunho profissional, encontramos o “tempero” das virtudes tão caras a Ozanam, sempre com elegância nas palavras, caridade no aconselhamento e esperança na mudança das estruturas sociais.

      Suas Cartas são estimulantes, reconfortantes, pedagógicas e, acima de tudo, verdadeiras orações. As frases que citamos, hoje em dia, mais expressivas de Ozanam, foram colhidas justamente das correspondências que ele escreveu. Que riqueza, que legado, que presente divino!

      Não podemos deixar de reconhecer o grande esforço literário que a família de Ozanam empreendeu para poder recolher os escritos dele, consolidando-se em livros. Sem essa investigação histórica, talvez hoje não pudéssemos saborear esse lindo conteúdo. Também não podia ser diferente: os ascendentes de Ozanam eram e literatos, assim como seus descendentes. Considero que o Espírito Santo, soprou forte sobre esta família, brindando-a com as características de perpetuação da memória e da transmissão do conhecimento. A humanidade agradece!

      As Cartas que Ozanam escreveu ao longo do século XIX são pérolas para nossa realidade. É como se ele tivesse deixado “sinais” para as gerações futuras sobre a maneira evangélica e caritativa de superar as dificuldades e ajudar àqueles que estão em situação de vulnerabilidade e de exclusão social. Ozanam, visionário e vanguardista, deixa para a posteridade suas Cartas e nos recomenda práticas adequadas para o mundo de hoje, tão  maltratado pelo egoísmo, pela ganância, pelo poder e pelos holofotes da fama passageira.

      A leitura das Cartas de Ozanam nas Conferências Vicentinas é sempre propícia, especialmente quando celebramos a data do nascimento do principal fundador da sociedade de São Vicente de Paulo ou da criação da entidade. São datas memoráveis que não podemos passar em branco.

      Por fim gosto sempre de encerrar meus textos com algumas perguntas, para que nós, vicentinos do século XXI, possamos também reflectir sobre a postura que adoptamos, na condição de imitadores de Ozanam. Utilizamo-nos dos meios de comunicação, pessoais e colectivos, analógicos ou digitais, para disseminar a cultura da caridade? Usamos as redes sociais e a mídia para propagar a Boa Nova e libertar os oprimidos? Limitamo-nos a criticar o sistema económico e político, e não fazemos nada de concreto para alterá-lo o oferecer caminhos alternativos?

      Se Ozanam estivesse fisicamente entre nós, hoje, o que ele faria? Quantos e-mails (que são as “cartas virtuais” dos tempos presentes), não teria ele enviado aos quatro cantos do mundo para defender e proteger os mais necessitados? Somos vicentinos e, portanto, temos que ser “espelho” de Ozanam, usando especialmente as novas tecnologias a serviço dos Pobres.
     

Crónicas Vicentinas IV Cgi. Renato Lima

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A pobreza da ingratidão e o diploma da santidade

1

     Um dos sentimentos mais dolorosos que uma pessoa pode vivenciar é a ingratidão. Muito mais que a ira ou o desamor, a ingratidão é como um ácido que corrói profundamente por dentro, afectando o coração do individuo que sofreu tal dissabor: Porém, como vicentinos que somos, ao buscarmos a santidade, temos que estar acima desse sentimento nocivo, que às vezes percebemos no momento da visita, no relacionamento com as famílias assistidas e até no seio da nossa entidade.
      Certa vez, um Conferência, por ocasião do Dia das Mães, decidiu doar Kits de cremes para embelezar as mães assistidas. Grande foi a surpresa quando nem todas as senhoras beneficiadas disseram uma palavra de agradecimento, como por exemplo: “muito obrigada!”. Nem um sorriso, nem uma demonstração de afecto. Na verdade, são pessoas sofridas, que nem sempre têm forças ou ânimo para a vida; mas daí demonstrar tamanha indiferença, é uma dor muito forte para quem proporcionou aquele gesto genuíno de caridade.
      O próprio Jesus Cristo também “reclamou” dos ingratos. Ele mesmo, que era Deus, após curar dez leprosos, indagou porque apenas um havia regressado para agradecer. E Jesus perguntou: “Onde estão os outros nove?” (Lucas 17,17). Na caminhada vicentina, muitos “leprosos” passarão por nós, mas poucos serão agradecidos. É bem verdade que fazemos esse trabalho de caridade sem buscar reconhecimento ou gratidão; tais sentimentos são humanos e fazem parte da educação das pessoas. O que pode nos consolar, um pouco, é que uma pessoa ingrata é também vítima do problema, pois não teve acesso à cultura.
      Ser grato a uma pessoa pode ser algo tão simples para muitos, especialmente àqueles que tive acesso à educação e nasceram numa família que lhes ensinou valores, princípios e posturas socias. É bem verdade que boa parte dos socorridos de nossas Conferências não possui essas características. É por isso que, juntamente com as cestas de alimentos e outros bens materiais, os vicentinos devem levar “exemplos”, “conselhos”, “orientações” e, acima de tudo, “ensinamentos”. Tudo o que dissermos de valores e virtuoso a um assistido produzirá frutos no futuro.
      Contudo, uma certeza pode-se ter: da mesma maneira que Jesus ofereceu a “outra face” a quem lhe quisesse machucar (Mateus 5,39), a ingratidão com que, às vezes, estamos sujeitos (pelos assistidos, por alguns representantes da Igreja e pelos próprios companheiros de caminhada vicentina), será a chave para abrirmos as portas do paraíso. Essa ingratidão nos condecorará com um “diploma invisível de santidade”, que São Vicente e Ozanam nos entregará quando estivermos entrando nos céus, um dia.

      Qual é o pior defeito do ser humano? – Como podemos lidar com essa situação nos trabalhos vicentinos, especialmente junto aos assistidos? 
Crónicas Vicentinas IVCgi. Renato Lima